quarta-feira, 26 de março de 2008

FECHA A CONTA E PASSA A RÉGUA



Aquele homem, que passou cambaleante, e que provocou seu riso, é meu pai.


Mas também poderia ser o seu.
Ai, você não riria, porque é triste, ver o pai assim. As crianças, inconseqüentes, fazem galhofas quando ele passa.


Aquele homem orgulhoso e violento, agora passa, como um palhaço atravessando o picadeiro.


E todos riem, ou a maioria, menos eu.
Porque é meu pai ?


Não, eu não riria mesmo que fosse o seu.
Eu sei como tudo começou.


Foi na sua infância, sem saber, meus avós, tornaram meu pai, “o palhaço que cambaleia”.


E todos acham graça, menos eu, porque quem sofre na convivência com o alcoólatra não vê graça na bebida, na maldita cachaça.
- Dá logo o “açúcar” da caipirinha, senão ninguém agüenta esse moleque.


Ele vai ficar com “lombriga”.
E o “Açúcar”, era mais álcool que açúcar...
- Oh! Tranca rua... nossa, tá catando frango..
E todos riem, é o meu irmão, mas também poderia ser o seu.
Quando jovem, bailinhos, festa do chopp, churrascada, ele voltava quase carregado.
- Dá “pocler” prá esse menino, senão ele não trabalha segunda...
Hoje ele vem todo dia carregado, não trabalha nenhum dia.


Aquele homem que passa e cambaleia, que você ri, é aquela mesma criança que não “passou vontade de ver os adultos beberem”.


Não teve “lombriga”, mas a sua integridade moral igualou-se a da lombriga.
O homem caído na calçada, o sol quente queimando o seu rosto, aquele internado no sanatório, com as pernas inchadas e a barriga brilhando, não é meu pai, e nem o seu.
Mas poderia ser o seu ou o meu, ou pior um filho, que hoje para não passar vontade, dão à ele um pouquinho de cerveja, “é só para ele experimentar”, “Olha que gracinha, como ele faz cara feia “, “só para ele não passar vontade”, “sabe como é, criança tem os olhos compridos”, e os pais... mente curta.


Hoje, ele toma um pouquinho, amanhã, um copo e depois ...
Ninguém começou tomando um barril...
- E ai? segurando o poste para ele não cair ?
Todos riem, é o meu filho, que também poderia ser o seu.
O alcoolismo, por mais que queiram achar graça, não dá motivo.


É só tristeza.


Quem têm um pai alcoólatra, ou um filho, ou um irmão, sabe que não tem graça, só quem passa por isso, ou têm um pouco de caridade em seu coração, sabe do que estou falando.
Creia, o maior alcoólatra, aquele que vive caído na calçada, o “enxuga poça”, começou um dia “experimentando”, apenas uma pequena dose. Quem ri do alcoólatra, pode estar rindo de meu pai, de meu filho ou de meu irmão, que também poderia ser o seu pai, filho ou irmão.


Aí, já não há mais nenhuma graça quando se ouve “fecha a conta e passa a régua”.



01/02/97 APJ

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