- Olha o diploma da mamãe! Quem tem sua mamãe deve lhe oferecer este diploma!
Era atrás do edifício da Noite, na passagem lamacenta onde se aglomeram vendedores de canetas automáticas de dez cores, e outros artigos.
O rapaz aproximou-se da banca onde se exibiam os diplomas. Pediu licença para pegar num deles, enquanto o vendedor continuava gritando a mercadoria sentimental.
Mirou e remirou o papel com atenção.
- Onde é que bota o retrato?
- Que retrato? - inquiriu o camelô.
- O meu, para oferecer a ela...
- Ah, compreendo, o cavalheiro quer oferecer um retratinho a sua mamãe. Muito bem, pode colocar sua bonita estampa nas costas do diploma, está vendo?
Timidamente, o rapaz formulou a objeção:
- Mas, se ela enquadrar o diploma e pendurar na parede, o retrato fica escondido nas costas.
- Perfeitamente, nesse caso ela pode pendurar o quadro de costas, e o amigo fica aparecendo.
- Isso não. Eu queria botar meu retrato na frente do diploma, junto disso tudo que está escrito aí.
- Não tem problema, cola aqui neste canto, fica até mais interessante.
O rapaz tirou um embrulhinho do bolso, tirou do embrulhinho sua fotografia em tamanho de postal, aplicou-a sobre o diploma, no lugar indicado pelo vendedor. Reconheceu, consternado:
- Cabe não.
- Cabe sim. Com licença, cavalheiro. Olhe como ficou bacana.
- Assim ele tapa as letras da escrita.
- Ora, só umas letrinhas. A maioria das palavras continua visível. Que importância tem tapar algumas palavras? O cavalheiro cobre elas com o carinho da sua fotografia.
O rapaz continuava indeciso. Dar um diploma a sua mãe, no Dia das Mães, era idéia nova, excitante. Não entendia bem o que fosse diploma, porém, certamente, sua mãe o merecia; e se o diploma levasse o retrato dele, deixava de ser um diploma qualquer, oferecido a qualquer mãe.
Mas, como, se não tinham previsto o lugar para o retrato do filho?
- Vai levar? - perguntou o camelô, desejoso de fechar o negócio e voltar à pregação oratória - pois eles gostam ainda mais de falar à multidão do que de vender.
- Bem... eu levo. Corto o peito do meu retrato, assim ele cabe sem ofender as palavras. E como é que eu faço para mandar para Inajaroba?
- Onde fica isso, meu chapa?
- Sergipe, então não sabe?
- Até este momento não sabia, mas não tem problema. Enrola, bota no Correio, vai de avião.
- Chega todo esbandalhado.
- Então, passa ali na papelaria e pede para botar enchimento, fazer uma embalagem bem legal.
- Mais um favorzinho, moço - e o rapaz baixou a voz e a cabeça.
- Vai dizendo, vai dizendo.
- Pode ler para mim o que está escrito aí? Eu não gostava que minha mãe recebesse o diploma sem eu saber o que estou mandando dizer nele...
- Com todo o prazer - e leu com ênfase, para o rapaz e para o grupo em redor, a declaração de amor de um filho a sua mamãe, em forma de diploma.
Carlos Drummond de Andrade
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